Ela repete mecanicamente o que nunca mais poderá repetir-se existencialmente. Tecnicamente, a Fotografia está na encruzilhada de dois processos absolutamente distintos: um, de ordem química, a acção da luz sobre certas substâncias; o outro, de ordem física, a formação da imagem através de um dispositivo óptico. Só tinha à minha disposição duas experiências: a do sujeito olhado e a do sujeito que olha.
Pode acontecer que eu seja olhado sem o saber e disso não posso ainda falar. Mas muitas vezes (demasiadas, quanto a mim), fui fotografado com conhecimento. Ora, a partir do momento em que me sinto olhado pela objectiva, tudo muda: preparo-me para a pose, fabrico instantaneamente um outro corpo, metamorfoseio-me antecipadamente em imagem...sinto que a Fotografia cria o meu corpo. Na angústia de uma filiação incerta: uma imagem (a minha imagem) vai nascer; irei ser parido como um indivíduo antipático ou como um "tipo fixe"? Eu não sei como agir do meu interior sobre o meu aspecto.
Gostaria que existisse uma História dos Olhares. Porque a Fotografia é o aparecimento de eu próprio como outro, uma dissociação artificiosa da consciência de identidade.
A Foto-retrato é um campo de forças fechado. Aí se cruzam, se confrontam e se deformam quatro imaginários. Perante a objectiva, eu sou simultaneamente aquele que eu julgo ser, aquele que eu gostaria que os outros julgassem que eu fosse, aquele que o fotógrafo julga que sou e aquele de quem ele se serve para exibir a sua arte. Por outras palavras trata-se de uma acção bizarra: não paro de me imitar a mim próprio."
Roland Barthes